quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Fiadaputa

Não se preocupem, isso não é um palavrão. Isso, embora seja a “evolução” da expressão (e é assim que se diz na República Riograndense), não é lá tão mau quanto possa parecer. A explicação se encontra na corte espanhola, segundo mi maestra de castellano: como havia muitos casamentos entre membros da mesma realeza para que se mantivesse o “sangue azul”, havia deformidades nos filhos gerados na legitimidade do matrimônio; o mesmo não acontecia no leito do meretrício, pois além de poder escolher “a carne do dia”, os rebentos resultantes dessas conjunções eram sadios, perfeitos, bonitos e com favores da Majestade! Assim, um hijo de puta madre era um privilegiado, um paparicado, um sortudo, um bonitão. A expressão filho da puta, hoje, não é mais unanimemente vista como um elogio, mas, sim, por depreciação; o motivo, ao que me parece, tem haver não mais com o filho, mas com a mãe: ao diminuirmos a profissão da prostituta, achamos que seus filhos são seres reprováveis. Por aqui, não vê o fiadaputa como uma pessoa, mas como uma doença, como algo que merece perseguição; “tua mãe é uma puta? Então tu não presta”.

Trocamos valores. Tomamos a parte pelo todo e o todo pela parte. Todo político é corrupto, nenhum advogado presta, não confie em fulano porque o pai dele está preso.

Até que ponto teremos que conviver com grupos estanques, com paradigmas? Hoje é o Dia da consciência negra no Brasil; mas será que os negros têm consciência de si mesmos? Fez-se muita discriminação nesse país, e ainda se faz, sei disso. O que me parece estranho é que se separe um dia no ano para nos conscientizarmos da cultura negra em nosso meio. Se precisamos de um dia para nos conscientizarmos, é porque temos um ano inteiro de inconsciência.

Acho daninho isso. Nefasto. Em nome de uma etnia, de uma cor de pele, de um grupo social, deixamos de ver pessoas e vemos negros, brancos, pardos, índios, mulheres, homens. Não nos vemos como iguais, vemo-nos como diferentes. Deixamos de ver quem é a pessoa, vemos só a marca sexual, de cor de tez, de religião ou de opção de roupa.

Ó tempos, ó costumes! Quanto mais humanos, mais nos distanciamos! E os herdeiros das meretrizes serão eternamente reprováveis, e os negros, eternamente escravos, e os brasileiros, eternamente malandros, e os índios, eternamente preguiçosos? Envergonho-me de ter de haver uma data para conscientizar ao povo de que há pessoas semelhantes a mim, mas com seus próprios traços histórico-culturais. Enquanto precisarmos ver as diferenças como barreiras e essas ações afirmativas como forminhas de gelo (que são divididas, mas com um cortezinho do lado para comunicar a todos), nossa sociedade ficará precisando de dias de louvor-e-regozijo-pela-minha-diferença.

Para não dizerem que sou racista, xenofóbico ou preconceituoso, proponho um feriado: o Dia da Diversidade! Um dia em que se comemorariam as diferenças, com cada um mostrando ao seu próximo suas peculiaridades: os cristãos mostram crucifixos aos judeus, que mostram os filactérios aos sádicos, que mostram chicotes aos enfermeiros, que mostram máscaras de oxigênio aos tenistas, que mostram raquetes aos pianistas, que mostram prelúdios aos bombeiros, que mostram hidrômetros aos pastores, que mostram catecismos aos engenheiros e arquitetos, que mostram esquadros e compassos aos maragatos, que mostram as facas aos servidores públicos, que mostram carimbos aos empresários, que mostram fluxo de caixa às prostitutas, que mostram pole dance aos fisioterapeutas, que mostram alongamento para os escoteiros, que mostram nós para os nutricionistas, e por aí vai! Acho que é muito mais justo: nesse dia, prova-se por A+B que ninguém é igual, que todos são diferentes e que merecem viver e conviver; depois disso, voltamos às nossas igualdades, nossos jeitos e nossas trincheiras. Que tal um dia verdadeiro de paz e concórdia, com todos de mãos dadas?

Encerro aqui: não bitolemos nosso olhar. Sejamos simples, flexíveis e alegres. A humanidade, com certeza, agradecerá.

Amigos, um abraço, bom dia e boa sorte!

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Post scriptum: para quem não é do sul, uma curiosidade: aqui, o plural de fiadaputa é fiadaSputa. Acho que, além de qualquer, não há outro vocábulo com plural no meio da palavra! É mole?

3 comentários:

Lúcia disse...

Sami, se vc não se der bem na advocacia, vai poder sobreviver como jornalista ou escritor. Esse texto está incrível! A-do-re-i!
É feriado aí? Pq em Ctba não é. Será que aqui não temos consciência negra? Esquisito demais isso.
bjs

Lúcia disse...

Ah, acho que vc quis dizer 'pole dance', né?
Bjs

Lúcia disse...

Tem presentinho prá vc lá no blog, bjs!