terça-feira, 10 de maio de 2011

Minha (nada mole) vida de judoca

Enquanto escuto Bolshoi cantar Sunday Morning e como um caqui para engambelar o estômago, rio de mim mesmo, e rio por ser pouco mais que uma criança. Rio porque embesto em fazer algumas coisas as quais não faço a menor ideia da razão para fazê-las. Rio porque consigo me subjugar pelos meus pensamentos conjuncturantes. Mas rio, sobretudo, porque é a única maneira de provar para mim mesmo que ainda sou humano, simples e demasiadamente humano.

Tudo começa com uma lista feita em março, em que coloco minhas prioridades para aquele mês, bem como até o fim do 1º e 2º semestres do ano em curso. Minha lista, mesmo que factível, era um pouco pretensiosa, admito. Mas a meta que mais me diverta era a que mantinha haver com meu corpo: em março, começaria a academia, em fim de junho, estaria em forma, e no fim do ano, estaria com uma barriga boa para usar como tanquinho. Sim, tenho de rir dessa meta, pois detesto toda e qualquer atividade física, mesmo as que não conheço.

Para cumprir minha meta, comecei a academia. Odiei, como sempre. Odeio aquele clima de músculos saltando e conversas padrão "bah, minha, que tríceps irado". Previsivelmente, como sói, desisti. E quando estava quase me conformando a ser um barrigudinho sedentário, ocorreu-me de fazer uma arte marcial, e o judô me saltou à lembrança. Lembrei que, a despeito do contato físico, o principal objetivo dos combates é imobilizar, não arrebentar a cara do oponente. Em assim sendo, já havia traçado minhas escolhas.

Procurei informações no site do meu clube, a Sogipa; ao ligar para lá, a telefonista, para me dar informações sobre a "escolinha de judô", perguntou a idade do "aluninho", ocasião em que, deveras encabulado, contentei-me em dizer "é um adulto". Desde esse primeiro contato, senti-me um adulto medroso numa aula de natação para crianças, com direito a espaguete e boias para aprendizes desastrados.

Fui assistir a uma aula. Cheguei um pouco mais cedo, enquanto acontecia a aula das crianças, e fiquei observando os exercícios. Achei muito legal, mas demorou para eu me dar conta que, ASAP, eu os estaria fazendo. Tive de rir de mim mesmo, que sempre teve horror de cair durante as peladas de escola. O professor, gente finíssima, deu-me todo o apoio. Em assim sendo, motivado, resolvi encarar o desafio.

Ontem, saí para comprar o judogi, traje para o judô. Não fazia sequer ideia de onde comprar isso. Já estava afim até de perguntar numa loja de ternos e roupas masculinas para saber se tinham; consegui uma boa informação e para lá me enveredei. Comprei o mais chinfrim: na pior das hipóteses, se não gostar do esporte, já tenho um pijama maneiro para usar em casa.

Hoje, lembrei da importância de um chinelo para usar para chegar ao local da aula. Como não tenho Havaianas, senti-me no dever de comprar um par. O problema é que eu ODEIO chinelos de dedo. NUNCA tive chinelos de dedo. Lembro-me de um que minha mãe me fazia usar a muito contra-gosto, para tomar banho, e até para isso eu odiava - e eu contava com uns 5 anos de idade à época. Sou um pobre soberbo, como diz Misinho. Enfim, saí para comprar e não achava a porqueira: mesmo sendo sensação hoje em dia (pois sou do tempo em que Havaianas era para chinelão), não achei em 5 lojas de calçados. Comprei nas Americanas, por $14,99 - e pedi desconto, para não perder o hábito, e principalmente porque eu queria pagar o mínimo possível por algo que eu não gosto.

Fiz a matrícula e fui ao vestiário. Odeio vestiários. Odeio falta de privacidade para minha nudez. Não gosto. Chamem-me de fresco, mas não gosto desse clima. Não comecei bem. Coloquei o judogi (que já havia colocado em casa e me sentira o Kung Fu Panda - gordo e com um pijama estranho), peguei a chinela e, para gáudio deste que escreve, constatei que havia alguma coisa errada: estava sobrando muito calcanhar ao final da sola da imundície. Sentei na arquibancada ao lado do dojô, aguardando minha hora e encafifado com a birosca de calçado bem menor que meu pé. Como não sou experiente no assunto "chinelos de dedo", fiquei cuidando os chinelos dos outros e verifiquei que o meu era muito menor. Até que, mesmo sem óculos, resolvi esforçar as vistas para provar para mim mesmo que comprara a tranqueira com o número errado, e me dei conta do porquê: eu vi o número ali traçado como 39/40, e não me dei conta que esse era a numeração EUROPEIA - à brasileira, equivale a 37/38. Moral: já me sentia um idiota, vestido como um idiota e com um calçado como meu pé. Me senti a real mistura das meio-irmãs da Gata Borralheira com o rei que estava pseudo-vestido.

Depois que a aula começou, tudo mudou. Senti-me super bem. Corri, comecei a aprender a fazer os rolamentos - que nada são que bater a mão com estilo no tatame. Ainda que não haja ainda conseguido fazer uma das piruetas - aquela que os caras da SWAT fazem no capô dos carros nos filmes -, acho que já valeu a pena.

Estou sentindo um pouquinho as pernas, os braços, o peito e o pescoço. Um leve rubor de atividade física ainda me está às faces, e um banho se faz conveniente nesse instante. Mas estou com o sorriso à boca, provando-me que sou humano, simples e demasiadamente humano. E que é bom. Sinto-me risonho, risonho e dançante, sem espírito de peso, quedado delicadamente no devir. Acho que estou no espírito da coisa: "judô" (柔道) quer dizer "caminho suave" ou "caminho da suavidade" em japonês. Ao que parece, desse vez dei uma bola dentro - ou um ippon.