domingo, 9 de dezembro de 2007

Interregno

O vento bate nas madeixas. O medo ainda leva o homem a titubear. A angústia não deixa retornar. O sol castiga as retinas e fustiga a testa, sendo ali, por si só, a penúria.

O desespero de dívidas, a decepção no mundo, a dor da solidão. Tudo isso o empurrava para a ponta. Os chinelos, outrora confortáveis, eram agora pesados e inconvenientes. Não se quedava mais sossegado, e quaisquer atos ou circunstâncias que assim se lhes representasse era reputado por espúrio.

Da fé, estava decepcionado; essa família, que cria no superior, era-lhe medíocre, tacanha, e sequer o considerava. Num ostracismo indesejado, isolado de um amor fraterno, via-se inexpressivo. O grande e poderoso Dr. Sílvio Antônio da Costa, imponente perante os demais, é frágil perante si mesmo.

Suas dívidas, embora plenamente pagáveis, não lhes interessa. Numa apatia latente, a vida já soçobrou nas procelas da rotina. O castigo de Sísifo já lhe era realidade. Não queria isso. Queria mais. Queria tudo. Queria muito pouco. Queria apenas ser alguém.

Se Deus não existe, então tudo é possível. Seria mesmo? Lembrar do ensino secundário, das filosofias, das crenças, das diferenças, dos esforços de conciliar fé e razão, desse duplipensar inglório e que pouco lhe adiantou nos momentos de maior agonia.

Nada mais interessa. Agora, só uma coisa atrapalha: um gradil, que lhe tocava a cintura. A gravata, vermelha como um lenço maragato, apenas representava a degola que já sentia desde há muito. Já era um morto, e, se nunca havia pensado nisso, dava-se conta naquele instante.

Despiu-se da formalidade rubra; aquele nó, tão corrediço quanto o de uma forca, não mais o prenderia. Seria livre pelas próprias vias. Nem clientes impessoais, nem amigos que não tinha, nem família distante, nem a imagem do Deus medieval que lhe foi ensinada na tenra infância, nada mais o acompanharia. Faria um trajeto curto, mas só. Um único, para não mais voltar.

Eis o que queria: não ser mais ser um errante, nem o que viria a aparecer na folha policial, mas já que estava só, só queria estar, rumando ao infinito.

Abriu os braços. A brisa mais uma vez lhe roçou as poucas melenas. O zunido no colarinho agora desabotoado lhe incomodou. Chega de demora. Sou homem ou não sou? E tergiversou à rua, para não encarar seu futuro, jogando-se de costas edifício abaixo.

Lembrou de uma vez que se jogou de um balanço, quando menino. Não assistiu ao filme a que relembram os que batem às portas da morte. Despencava, numa taquicardia sufocante, mas ao encontro do que queria.

O fim não chegava, e já se irritava. Imaginava que sua queda não iria terminar, e não terminava mesmo. Nada mais fazia, nem criava, nem destruía. Apenas aguardava sua única solução.

Será que terminaria logo? Não agüentava mais. Ansioso, não via mais o fim de mais um tormento. Será que resolveria?

Cansou-se de mais um penar. Meteu os pés no sapato e saiu. “Droga de vida”, pensou. “Se ela é ruim, a morte também não tem virtudes”, e cansado de pensar, saiu mais um dia para a dura labuta.