terça-feira, 18 de novembro de 2008

Coisas demais, coisas de menos

Nosso mundo (e o Brasil não fica fora) diz coisas demais. Sim, dizer, falar, escrever, comentar, narrar, dissertar, e por aí vai.

Antes de sair à labuta, tradicionalmente pego a gazeta para dar uma olhadela. Como sói ocorrer, fi-lo hoje também. Para meu espanto, lá no meio das linhas havia uma expressão “a políca interviu”. Sim, a polícia “enxergou no meio”! No meu tempo, era interveio! Ó tempos, ó costumes, disse Cícero e repito hoje. Até quando, jornalista, abusarás da nossa paciência?

No afã de falarmos ou escreverem bem, vemos muitos rabiscarem ou balbuciarem quaisquer coisas. Uma prova é o Carro Velho, rei do elogio, motivo de piada ao elogiar as pessoas como rélpis, batráquio e estrogonoficamente sensível. Como espero que haja sido notado, uso essas expressões como piada, mas o mau uso do português é calamitoso.

Mas os budistas mandam que excluamos de nós tudo o que é excesso. Já nos excluíram a trema, embora usada de modo tão restrito. Por que ainda não retiraram o H do início das palavras?

Mas não fica por aqui a indignação. Alguém que nutre o prazer etílico pede para olhar no rótulo qual o teor alcoólico de sua bebidinha? Claro que não! Assim, de que serve aquele número que ninguém sabe como usá-lo decentemente?

E as camisas? Embora alguns cuidem delas pessoalmente, quem dá bola para serem “fáceis de passar” ou de composição 50% algodão e 50% fibras de tecido epitelial extraterrestre? Ninguém! Quem compra, compra pela textura que gosta (ou pelo preço) e pouco se lixa se sua veste para os troncos e membros superiores é feita com matéria-prima egípcia, se os botões foram pregados por costureiras lindas-jovens-e-virgens que residem nas Ilhas Salomão ou se é feita com pé-de-gola racoltrado por membros da família real das Astúrias. Ninguém.

Com gravatas, não é muito diferente. Talvez até seja pior com elas. Se se vai a uma boa camisaria, dessas que os botões são pregados pelas lindas-jovens-e-virgens-que-lavam-seus-rostos-com-vinho-para-não-perder-a-maciez e cujos preços não são menores que $300 (que é o valor de uma fatiota completa daquelas que os crentes usam domingo de tarde para ir à igreja suando feito porcos), lá sempre haverá lindas gravatas, feitas por bichos-da-seda que passam o dia ouvindo Mozart e que o ar ao seu entorno é aromatizado pelo perfume de gardênias plantadas por tirolesas-bucólicas-de-tesão-recolhido-e-ferormônios-fulgurantes. Acho que quem mais se sente orgulhoso com uma gravata dessas é o vendedor, afinal, ele vende por $180 um produto que se compra um exemplar exatamente igual (eu disse e-xa-ta-men-te igual) naquela loja de “moda povo” (tipo C&A e Renner) por $19!

Sim, tenho camisas e gravatas da Renner, da C&A e de camisarias que custam o olho da cara. Sim, sei fazer 9 tipos de nó de gravata. Sim, tenho gravatas borboletas, todas importadas, e faço nós nelas. Sou um apaixonado por essa indumentária. Acham que eu dou bola para a etiqueta? Não! Escolho pelo que eu gosto! Ou alguém acha que o alfaiate coloca em seus ternos uma etiqueta dizendo “somente lavar a seco”?

Acho que as coisas poderiam ser mais simples. Sou a favor de que as gravatas digam “com bolso escondido para guardar caneta”, as garrafas de bebidas informem “beba xx ml e ainda dirija sossegado” ou as camisas anunciem “não mancha de batom”.

A humanidade agradece; a comunidade masculina rejubilar-se-á.

4 comentários:

Lúcia disse...

Qualidade.
O brasil precisa aprender a exigir.
Independente de preço, profissão, salário, marca.
bjs

Joanna disse...

Pobre pobre meu comentário, mas concordo.
E eu gostava do trema. E gosto dos H's e das complicações da língua portuguesa.
Mas odeio coisas que não temos como interpretar (como os desenhos das etiquetas de roupas), odeio comprar blusa 46 e na outra loja comprar 42 e na outra comprar 50.
Padrões e clareza já!!
Bjo

Chris disse...

Rapaz tu escreve bem, mano!
hehehehe
Que texto bacana! Fiquei tbm com pena do trema ter caido.... acho que ainda deviamos dificultar mais o portugues. Eu fico aqui me chicoteando para aprender holandes, acho que o H da charme e poderiamos dobra-lo assim como o R e o S. Tipo meu nome: Chhristiane...
ahahahaha
nemmmm.... somente um H ta bom!

E quanto a gravata, eu tbm compro aquilo que agrada meus olhos.

beijo

Teresinha Aguiar disse...

Guri, que desabafo! Mas entendo a tua revolata auricular, pois num dia desses, ouvi a apresentadora de telejornal falar "deteu". Fiquei nauseada. Pois é. Mas ouço essas coisas dezenas de vezes ao dia que já nem sei mais falar direito. "Tô" viciada.