O xadrez é uma atividade que aprecio. Permitindo o Senhor dos Mundos, meus filhos aprenderão desde cedo a jogar xadrez, e terei o prazer de perder para eles (se bem que, para isso, não precisa muita coisa). Quero que todos na minha casa joguem xadrez, todos. Quero ter a alegria de passar dias desafiando e sendo desafiado pelas crianças e pela Menininha Ruiva. Sei não, mas acho que serei um pai chato. Acho que meus filhos irão se divertir muito mais com o tio deles, que é divertido e joga bola. Droga de vida.
Uma coisa me assusta na arte enxadrista: o rei é maior que tudo, e dele depende plenamente o jogo, de modo que a atividade se perde por completo sem sua presença. Esse regicídio (ou a persecução desse regicídio), mesmo que legítimo numa sociedade medieval/patriarcal/oriental, não combina com nossa realidade, com a nossa visão contemporânea: o Brasil, que não teve presidentes legítimos por vinte anos, não ficou sem jogar na política – muito pelo contrário, colocou generais superpoderosos, muito semelhantes às rainhas do tabuleiro.
Eloá, a menina encarcerada de Santo André, precisava ser mantida em incolumidade: eis o rei da situação. A rainha era fazer-justiça-e-prender-o-cara-mau-e-bem-mais-velho-que-fazia-a-menininha-refém. Um jogador muito novato (que nem lembra como é o L do cavalo) defenderia o rei, deixando até que a rainha fosse capturada, se fosse o caso. Infelizmente, nossos governantes não jogam xadrez, e preferiram que a senhorita fosse baleada a deixar de “fazer justiça”; como não creio que nossos mandatários não saibam se mover no tabuleiro, será que não atribuíram valores distorcidos às peças? Será que a rainha, peça alta e robusta, com inúmeros movimentos e muita versatilidade, será que ela não ludibriou o competidor, que dispensou o fraco rei, imponente e limitado?
Malba Tahan, o homem que calculava, dizia que a rainha era o próprio povo, que tinha muitos poderes, mas que dependia do soberano. Em nosso país, “todo o poder emana do povo”, conforme nossa própria Constituição. Sob a óptica do esporte do Mequinho, é preferível perder a rainha e vencer o jogo, salvando o monarca; daqui me pego a refletir: será que o povo é visto por nós como “rei” (que tem dificuldades para locomoção, mas é o mais importante do seu meio) ou a nação é tida como “rainha”, que, muito embora seja deveras importante, é apenas uma peça de combate?
(escrito na perna e sem revisão alguma)
2 comentários:
Eita! Que profundidade hein?
Nem parece escrito 'nas coxas', como se diz por aqui.
Eu sei jogar xadrez e meu marido também sabe, mas nós não jogamos, rsrsrsrs.
Mas já joguei com meu sogro, e perdi TODAS as vezes... talvez vc conseguisse ganhar de mim!
O caso da menina Eloá é muito revoltante, resolvi deixar de lado, pq não vai adiantar nada ficar me estressando... quase escrevi um post sobre isso, talvez ainda escreva, vamos ver.
Abração, guri!!!
Escrevi sobre o caso!
Ah, vc ganhou um oscar, passa lá no meu blog pegar! É 'simprinho' mas é de coração!
bjs
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