sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Bryan

Estou a me dever a escrita desse fato. Ocorreu terça-feira, na plataforma de embarque do metrô, saindo do trabalho a caminho do Serviço de Assistência Judiciária Gratuita em que atuo na faculdade.

Em cima da hora, não podia sequer pensar em perder um segundo. Aguardando um tanto quanto impaciente a chegada do veículo que me levaria ao destino, chega do outro lado um quarteto de vagões, indo em sentido contrário, e descarrega boas dezenas de pessoas, como sói ocorrer. Dentre tantos homens e mulheres, um garoto de rosto redondo e sujo, de roupa rota e de caixa de engraxate no ombro, ruma à escada rolante. Ao ser notado, o caminho do guri mudou: veio direto a mim, apôs seu caixote ao chão e disse-me “vamo, tio”, apontando aos meus sapatos.

Confesso que não estava muito disposto a ver meus calçados serem polidos pelo menino que julguei não saber fazê-lo de modo satisfatório. Disse que estava atrasado e que não poderia perder o trem. “Não tem problema, eu entro junto”, disse-me, com a docilidade pueril, mas a necessidade cruel da vida. Pobre menino: já sabe que é preciso navegar.

Aceitei. Ao entrarmos, foi separando seus apetrechos enquanto continuávamos uma conversa. Perguntei quanto ele pedia pela tarefa. “Um pila” foi o que ouvi. “Darei-te dois, pra valorizar teu trabalho”, e deixei que realizasse sua missão.

Tudo pronto, dinheiro alcançado, convidei-o para sentar ao meu lado. Ele, um menino mal vestido e sujo, lutando pelo seu ofício; eu, um menino de terno e gravata, cheirando bom perfume e lutando pelo meu. Tão parecidos, mas tão diferentes!

Perguntei o que ele havia comido. Nada. Maldades da vida: quem luta para se manter, não se sustém, e quem nada faz, tem de sobra. Fi-lo prometer que comeria com mais um trocado que dei. Levantou-se feliz e disse que, de barriga cheia, poderia trabalhar mais.

Mas nem precisou. Quando iria descer do vagão, uma cidadã o interpelou para uma graxa.

Deus te abençoe, Bryan, dando-te forças para lutar pelo que tu queres. Que Ele te encaminhe para longe do caminho que teu irmão escolheu e te ponha longe do crime. Que o Grande Arquiteto do Universo te construa uma vida de glórias e te dando a maior das riquezas: a de espírito. Que Deus te conserve assim, menino.

Samuel, um guri,
irremediavelmente humano

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