segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Conversa de doido (ou “Assuntando com minha família”)

Notícia do Correio do Povo em 16/02/1909
Desastre por um bonde
- Mais um accidente temos hoje a registrar. Ante-hontem, ao meio dia, emfrente ao edificio onde funcciona o 2º posto policial, parou o bonde electrico n. 18, comboiando o de n. 40. José Virginio, de 39 annos de idade, de côr mixta, um dos passageiros desse vehiculo, ao descer, caiu entre a balança que ligava os dois bondes. Disso lhe resultou a fractura da perna esquerda. Os agentes e o inspector de dia áquelle posto acudiram ao local, e transportaram Josaé Veríssimo para o respectivo ambulatorio, onde o enfermeiro Paulino Guerreiro, depois de socorrel-o, mandou transportal-o para o hospital da Santa Casa.

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Closed caption ON

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(todos assentados no escritório dos meus pais; uma garrafa térmica cheia de água quente, chuva caindo de forma vigorosa à rua, minha mãe em frente à máquina de escrever, meu pai servindo de água a cuia de porongo cheia de erva-mate; Vó Maria bordando, Vó Eva, fazendo crochê, meu irmão, roendo as unhas, e eu, com algum livro aberto ao colo; começa-se o diálogo a seguir)

Meu pai contando o que aconteceu
Ó, anteontem, na hora do almoço, ali no perto do Oawkuycgas na esquina com a Hlisfiuyee (ele e a minha vó nunca sabe onde as coisas acontecem, daí, fica enrolando o nome das ruas), vinha vindo um bonde, e daí o cara queria descer, daí o cara pulou do bonde e quebrou a perna, daí, ficou esperando os brigadiano (policial militar, como se diz aqui no sul; outra: aqui, plural é uma coisa um pouco escassa), e o sangue véio ali, molhando o piche.

Vó Maria, mãe do meu pai, comentando
Que horror; coisa horrorosa isso (onde se lê “coisa horrorosa, leia-se “CÔSORROROSA”). A gente paga o imposto, IPTU, IPVA (detalhe: a velha não dirige), CPMF, INSS e aquele outro que eu não consigo dizer (acho que é o ISSQN) pra virem depois, sujarem a rua de sangue e gastarem água. É uma pouca duma vergonha: a gente aqui, se virando que nem bolacha em boca de véio pra pagá as conta e eles jogando água de mangueira que a gente paga pra lavá uma sujeira dessas.

Meu irmão, em seguida
Bah, que pena que não morreu. Tinha mais que ter morrido, desgraçado; não olha pros lado pra atravessá! E tinha que sê um negão, mesmo, pra esculhambá com o trânsito do centro. Queria vê se ele ia achá graça se atropelassem mãe dele, o pai dele, a mulher dele e os filho dele tudo.

Minha mãe, com cara de estupefata
Ai, Misinho, que horror, quanta bobagem. Não se fala uma coisa dessas, guri!

Vó Eva, a mãe da minha mãe
Mas sabe que, uma veiz (sim, ela fala assim), lá em Passo Fundo – quando tu era ainda pequeninha, Teresinha – um home atropelô de charrete 45 pessoa e a cidade feiz um velório na praça em frente a Prefeitura (não vai acento grave porque minha vó não fala com crase).

Tento amainar as coisas
Misael, o motorista não tinha culpa, foi o passageiro que desceu de mau jeito e se quebrou. E ele era o negro, não o motorista.

Meu pai, de volta à fala
Bem que eu vi que não era! Eu achei muito estranho, porque o cara caiu ali, no meio dos bonde, ali tava um fuzuê, as pessoa tudo na volta, as véia tudo ali enchendo o saco e trancando a rua, e a gente querendo vimbora, e tava relampeando, e...

A vó materna, de novo
... cruiz, Sérgio! Não sai na rua em dia ruim, tá perigando chovê e tu aí batendo perna na rua! Daí, um raio te pega no guarda-chuva ou no meio da cabeça, morre tu, deixa tua mulher sem marido e teus filho sem pai!

A vó materna, de volta ao assunto
Mas a senhora sabe que eu sei de um homem que caiu três raio na cabeça dele e ficou meio abilolado das ideia; a Teresinha era pequena, não vai lembrá, mas ele vendia lenha pra gente; daí, foi rachá a lenha em dia de mau tempo, já era bem velhinho, e o raio foi no fio do machado e pegou no meio da testa, e ficou com uma mancha escura até o dia que morreu, mas não foi de raio.

Vó Maria
Ai, mas que horror (leia-se “quio-RÔR”), os filho dexá acontecê uma cosa dessas com um pai velhinho; ai, Dona Eva, eu não fico sossegada com essas coisa; Deus castiga quem não cuida dos pai.

Vó Eva
Mas sabe, Maria, que o Juca, o filho mais velho desse senhor, foi pescá e foi atacado por um jacaré! Daí, o padre disse que era castigo por não ter cuidado do pai dele.

Vó Maria
Mas nem tem jacaré no Rio Grande do Sul!

Vó Eva
Mas, naquela época, uns jacaré fugiram do Amazonas, Rio de Janeiro, lá de cima e vieram tudo pra cá! E daí, foram parar tudo lá em Passo Fundo; lembra, Teresinha, quando tu era pequena, que a cidade ficou cheia de jacaré?

Minha mãe, tentando se controlar para não rir
Não, mãe, não lembro disso, mas eu lembro de um menininho que o nariz crescia quando ficava inventando história.

Vó Eva, num golpe de misericórdia
Mas sabe, Negrinha, que eu me lembro de uma mulher, lá em Passo Fundo, que quando contava história, as orelha inchava e ficava parecendo um macaco; ela ia te visitar quando tu era pequena, lembra?

7 comentários:

Anônimo disse...

Sami, expuseste toda a fragilidade verborrágica da família. É muita pernosticidade para um só clã. Mas, como tu mesmo dizes: "é a vida". Quando nos reunimos em dia de chuva, roda de chimarrão, a velharada junto com a creche, de cada 3 palavras, não se aproveitam 4. É nóis. Hehehe! Beijo, filhooo!

Anônimo disse...

Antes que eu esqueça: vc ainda lembra da velha e boa máquina de escrever?

Jairo disse...

É assim mesmo. QUando uma turma da família se junta acontece de tudo.
Abraços

Chris disse...

hahahaha Parece ate estoria de teatro, ficou muito divertido e o dialogo super parece um cenario de teatro!! kkkkkkk
FAmilia reunida= Diversao garantida!!
hahaha

bjks

Lúcia disse...

Aiiii que delícia!! Amo esses momentos! Ai que saudades da minha vózinha! Me senti na sua sala! Bjins

Anônimo disse...

passa lá que tem resposta pra vc, no caso, monólogo de doido ou monologando com a família.
Captain Forr

SGi/Sonia disse...

Sami Boy, estava doidinha pra comentar aqui, mas meu bloguito anda me pregando peças e não deixava, só que agora eu passei a perna nele eu estou conseguindo comentar de novo!
Muito bom isso ilário(porque eu não falo o H)hahahahahaha
E ainda por cima tu recebeu comentário de sua mãe!

Beijins:*