domingo, 21 de fevereiro de 2010

Os donos do seu nariz

(Luis Fernando Veríssimo)

Todos deviam ser donos do seu nariz, mas infelizmente isto não acontece. Num país como o Brasil o sonho do nariz próprio continua inalcançável para a maioria. Só uma minoria privilegiada é dona do seu nariz. Poucos sabem que 70% dos brasileiros alugam seu nariz. O Governo vem tentando melhorar a situação através dos financiamentos do BNN para a aquisição do nariz próprio, mas com a correção monetária, reajustes, etc. o pobre acaba pagando pelo nariz muito mais do que pode.

Muitos vivem na ilusão de serem donos do seu nariz e na realidade não são. Mesmo os proprietários de nariz não têm direitos absolutos sobre ele. O nariz é um bem móvel. Qualquer transação envolvendo o nariz depende da fiscalização pública. Você descobre que o nariz não lhe pertence quando, por exemplo, pretende viajar para o exterior. Não há nenhum empecilho para você sair do país, ao contrario do que se pensa.

— O senhor tem completa liberdade de ir e vir.
— Sem papelada, sem nada? Posso sair quando quiser?
— Exato. Mas sem o nariz, claro.
— Como? Eu sou dono do meu nariz.
— Perdão. Seu nariz é uma concessão do Governo. Pertence ao Estado.
— Mas eu não posso viajar sem ele. Somos muito ligados.
— Bem. Para tirar um nariz do país é preciso passaporte, visto de saída, atestado de bons antecedentes, atestado de ideologia do nariz...E o depósito compulsório.
— Quanto?
— Os olhos da cara.

Todos os impostos e taxas que você paga ao Governo são pelo uso do seu nariz. O nariz, na realidade, é a única parte da sua anatomia sobre a qual o Governo tem todo o poder. O Estado não interfere no resto do seu corpo que, no caso de prisão arbitrária, só vai junto porque quer. Foi isso, na opinião de alguns juristas, que tornou o habeas-corpus supérfluo entre nós. E, convenhamos, um habeas-nasalus seria ridículo.

Eu alugo meu nariz e estou muito satisfeito com ele. Não conheço o proprietário. Pago o aluguel em dia, conservo o nariz em bom estado e não dou ao locador qualquer razão para queixa. Mas, teoricamente, o dono do meu nariz pode reclamá-lo quando quiser. Basta uma denúncia vazia de que eu estou metendo o meu — ou dele, no caso — nariz onde não devo e ele pode reaver o nariz. A situação é irrespirável.

Alguns proprietários de narizes alugados estão sempre vistoriando a sua propriedade. Acordam o locatário no meio da noite para ver como vai o nariz.
— Hum. Deixa ver. Parece bem. Este cravo aqui do lado...
— Vou espremer amanhã mesmo.
— Você limpa todos os dias?
— Por dentro e por fora.
— Olha aí: os óculos estão deixando marca. Não pode.
— Vou cuidar disto. Agora posso dormir? Estou meio resfriado...
— Que tipo de lenço você tem usado? De papel, espero. Lenço de pano irrita o nariz. Olhe lá, hein?

Alguns contratos de aluguel são extorsivos. Incluem uma cobrança por espirro, taxa-coriza, o diabo.

Existe uma espécie de bolsa do nariz onde os grandes proprietários compram, vendem e trocam seus narizes.

— Tenho um nariz bem grande em Petrópolis. Troco por dois pequenos na Zona Sul.
— Nariz novo. Vendo. Estilo grego.
— Compro um afilado. Qualquer zona menos Avenida Farrapos.
— Vendo um achatado, simpático, amplas narinas, na Independência.
— Reformado, como novo, troco por adunco ou arrebitado.

A questão do nariz reformado é, legalmente, um pouco confusa. Quem é dono do seu nariz pode alterá-lo como quiser, desde que obtenha uma licença da prefeitura. Um bom Pitanguy, hoje vale uma fortuna. Mas quem aluga o seu nariz e quer modificá-lo deve antes consultar o dono.
— Estou pensando em tirar um pouco aqui, estreitar aqui e baixar aqui.
— Impossível. Não posso permitir. A senhora quer diminuir a área total do meu nariz.
— Mas vai ficar um Tônia Carrero perfeito. Vai aumentar de valor.
— Sei não... Aumentam os impostos...
— O senhor pode aumentar o aluguel.
— Feito.

Os donos do seu nariz têm o poder e não há nada que você possa fazer a respeito. O seu nariz pode ter sido vendido a uma multinacional agora mesmo e você nem sabe.

2 comentários:

Teresinha disse...

Hehehe! O pior é que o problema não é só dos brasileiros. Michael Jackson sabia muito bem quanto valia o seu nariz ...
Eu nunca tinha refletido tão profundamente no quanto "não sou dona do meu nariz", embora muitas vezes já o tenha empinado alegando a propriedade do mesmo. "Vivendo e aprendendo".

daniel disse...

legal ,mas nao consigo enviar , manda para por email ,daniel.os35@hotmail.com. Valeu