sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Encontro de cúpula

Já não era sem tempo. Deus convocou um encontro de cúpula com Luiz Inácio e Hugo Chávez. O venezuelano impôs uma condição para comparecer: a ausência do rei Juan Carlos. Luiz Inácio pediu que Deus admitisse ser brasileiro e que nunca na história da humanidade um presidente foi tão abençoado. Para evitar maiores altercações, embora aborrecido, Deus concordou. O problema maior foi o local da reunião. Deus queria um campo neutro. Sugeriu a Argentina. Os jornais de Buenos Aires deram manchetes: Deus propõe encontro no céu. Não houve acordo. Luiz Inácio preferia São Bernardo para aproveitar o fim de semana em casa e ainda poder ver o jogo do Corinthians contra o Grêmio na TV. Chávez sugeriu dois lugares purificados para o debate: Cuba ou Bolívia. Alegou que Fidel Castro estaria precisando de uma conversa com Deus para decidir o seu futuro. De Deus.

Um tanto desinformado sobre a política latino-americana, Deus cometeu uma séria gafe: defendeu, na falta de outra opção, a realização do encontro em Miami, com a participação de Bush, bom devoto, filho apegado ao legado do pai e cidadão do mundo. Indignado, Chávez aproveitou para soltar a frase bolivariana que trazia atravessada na garganta: 'Por que não te calas?' Deus não gostou. Ameaçou retirar-se antes mesmo do encontro se realizar. Chávez não se deu por achado e lançou um desafio ao Ser Supremo: 'Por que não convocas um plebiscito, como eu, para ver se a população mundial quer te manter no poder?'. Luiz Inácio apenas sorria. Ao ser entrevistado sobre as conseqüência do bate-boca do parceiro Chávez com Deus, tratou de minimizar o ocorrido: 'Deus está exagerando. Chávez não fez por mal. Ele é como o time do Corinthians: não suporta pressão'.

Em determinado momento, Deus pediu uma conversa reservada com Luiz Inácio. O presidente quebrou o protocolo e aceitou falar com Deus sem marcar audiência ou verificar a sua agenda. Para quebrar o gelo, Luiz Inácio foi logo brincando: 'O Senhor é que é feliz, meu Deus, nunca precisa mudar a Constituição para renovar o mandato. Eu também queria um mandato único, né mesmo?' Deus apresentou-lhe alguns dados que, segundo os assessores divinos, o faziam ficar de queixo caído: 12,6 milhões de brasileiros continuam miseráveis, a renda média familiar do Nordeste não alcança 60 reais por pessoa, o Bolsa-Família paga no máximo R$ 112,00 por mês, outros 30 milhões de brasileiros vivem pouco acima da linha da miséria, etc. Luiz Inácio não gostou muito. Alegou que só podia ser intriga da Veja.

Ao final, Luiz Inácio propôs uma aliança estratégica: em troca de algumas sugestões suas no sentido de melhorar a política humanitária de Deus 'a nível' global, o Todo-Poderoso garantiria a transformação da CPMF em contribuição permanente. Se não desse, poderia ser provisória mesmo, coincidindo com o tempo de permanência de Deus no comando. Por fim, depois de agradecer pelas novas jazidas de petróleo, com seu velho bom humor verde-amarelo, Luiz Inácio falou assim: 'Agora, Deus meu, passemos às coisas sérias, que ninguém é de ferro: o senhor não vai deixar o Corinthians cair, né mesmo? Pense no sofrimento do seu povo.' Deus não respondeu. Foi chamado ao telefone. Era Juan Carlos querendo alertá-lo para não andar em má companhia. Chávez, disse o rei, é o Diabo em pessoa.

(Juremir Machado da Silva, no Correio do Povo, em 23/11/2007)

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