segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Um gosto por um vintém

Não há nada exatamente igual a outro elemento de mesmas características, forma, volume e blablablá. Não há. Se for outro, então não é o mesmo.

Tive um namoro-relâmpago com uma moça que estimo bastante, embora não a veja nem fale com ela há muito. Em uma das visitas à casa dela, conversávamos, a família dela e eu, sobre frivolidades, tais como o aumento do preço do grão-de-bico e sobre “os cricris” da vida, em que minha ex-futura-sogra narrava o fato de ter um irmão (ou cunhado, ou primo, ou algo que o valha) extremamente crítico, que punha defeito em qualquer alimento preparado, exceto um: a salada de frutas que a esposa dele fazia. Meu quase-sogro olhou para mim, deu-me um tapão no joelho, fitando-me a pupila como se fossem duas bolinhas de uva, a me dizer “ora, veja só; salada de fruta é tudo igual!”. Acho que foi ali que meu namoro acabou.

Nada pode ser maior que a salada de fruta da minha avó. Nada. Em outras categorias, ficam a torta de bombom da Mana e o estrogonofe de almôndegas da Hadassa, além dos biscoitos da vó Maria e das limonadas do Tio Clóvis e da vó Eva, sem contar na torta de biscoito que mamãe fazia (embora eu não gostasse do açúcar queimado que ela punha ao fundo). Mas nada é maior que a salada de frutas da minha avó. Nada. Lembrei disso enquanto deglutia o simples, porém substancioso manjar de vovó, deixado à geladeira em um recipiente plástico, a me esperar chegar da Academia, do Liceu, do templo do saber, ou só de mais uma aula depois de um dia de cansaço.

Não sei bem dizer ao certo o que me agrada: seria o ácido das frutas cítricas? Ou o adocicado da combinação? Ou a combinação de frutose açucarada?

Acho que encontrei a resposta, depois de tantos anos passados comendo essa mescla vegetal: em tão simples garafunchos, ao chegar à porta para entrar em casa, vejo uma ponta de papel a sair pela fresta, em que se lê, assim como consta:

“Porto Alegre, 25 do 8 = 2008

Oi Samuel

Só para ledizer

Há uma salada

De fruta

Na jeladeira

No plastico

Braquo

Ta



Eva”


É o carinho da matriarca que dá gosto! São suas lágrimas de preocupação por duas gerações que viu passar que lhe dão a acidez, mas é seu amor que adoça esses cubinhos de maçã.

Não esquecerei disso. Prometo a mim mesmo: bendirei ao Senhor meu Deus, enquanto houver frutas em algum pomar, que houve, há e haverá avós que amam demais, mesmo vendo os netos-doutores como seus queridos pimpolhos.

Saúde a quem amamos!

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Irremediavelmente humano

Andando há quatro anos no mesmo itinerário e empregando o metrô como meu veículo de transporte, posso dizer que sou mais que um usuário, mas parte integrante. Estudo, escrevo, converso, durmo, como e faço dos 30min da minha viagem um período produtivo para mim mesmo.

Uma das coisas que mais gosto de fazer é fitar os olhos dos meus parceiros de viagem. Uns, bem arrumados, optaram – assim como eu optei – usar uma locomoção barata, prática e sem congestionamentos; outros, de condição bastante humilde, rumam a seus afazeres. Namorados, amigos, famílias, colegas de trabalho, toda a sorte de pessoas são encontráveis nos vagões do trem urbano. É bom ver pessoas, cada uma com sua fagulha pessoal e intransferível, que lhe tornam muito mais que um ente, mas uma essência ambulante. Isso nos põe num pé de igualdade com os demais e nos faz ver a que espécie o Criador Excelso nos adequou.

Contudo, nada me dói mais que o polinômio pobreza-mentira-necessidade-comércio. Costumo ser tolerante às circunstâncias, sou irremediavelmente humano, mas há algumas me comovem de modo tão negativo que não sei dizer o que sinto precisamente, tamanho o misto de tristeza, indignação e revolta. A exploração da boa-fé e da comiseração é a exploração da piedade de pessoas comuns, apenas travestidas de funcionários, estudantes ou aposentados.

Há quatro anos, vi uma senhora e muito me compadeci dela. Trazia três crianças pequenas consigo, sendo que uma lhe estava ao colo. O marido a abandonou, deixou um trio de bocas a sustentar e as contas a pagar. Como não se compadecer de uma criatura dessas, com um menino pequeno, de uns 5 ou 6 anos, carregado pela mão por sua maninha de, quiçá, uns 8 anos, e mais uma criancinha nos braços?

Em outras oportunidade, encontrei a menininha, já pré-adolescente, trazendo o irmãozinho que ela cuidava, ostentando dois piercings, um ao nariz, e outro, ao umbigo, projetado para frente por uma pança inconveniente. Já vi também a mulher sozinha, com o guri e também com a sua suposta primogênita, inclusive xingando-a por não oferecer a todos as balas de goma que mercadeja.

Isso não é das melhores coisas, mas precisam, certo?

Vi-a hoje, não mais acompanhada de um menino que, hoje, teria uns 8 ou 9 anos, mas novamente com um de possíveis 4 anos. O bebê de colo. O que mais me incomodou: ela está grávida.

Quero continuar acreditando na humanidade. Alguém, por favor, ajude-me a entender isso e não me tornar um monstro inconsciente da importância da vida em grupo.

“Você pode tirar o homem do caminho, mas não o caminho do homem.” Confúcio.

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Divagações patéticas - O ataque dos monstros voadores

Porto Alegre, início de uma manhã fria qualquer: Samuel Aguiar da Cunha, empunhando uma pasta preta e vestido de terno escuro, ruma em cadência vigorosa do transporte seletivo (“lotação”; Porto Alegre é a única capital do país com esse tipo de serviço atuando de forma legal) à estação de metrô (aqui conhecida pelo nome da empresa, “Trensurb”). Tem de atravessar o Paço Municipal, lugar do Prefeito, das ciganas que lêem “la suerte” nas mãos e da fonte Talavera de La Reina (hoje, em reformas, com tapumes que ocupam um quarto da área em frente ao prédio).

Tarefa habitual, caminhada habitual, rumo habitual (Samuel é trabalhador – ao menos, ele crê que seja). Do nada, aparece uma cidadã. A mulher se materializou ali, junto ao meio-fio lateral da quadra. Do nada. Ela, guarnecida de um saco de milho. Milho que não foi plantado, materializado junto com ela. Um punhado muito grande é tomado. A mulher devia ter a mão do tamanho da de uma luva de baseball. O milho voa, subindo e descendo graciosamente, qual uma coberta branca de um quarto de casa de férias. Não houve pressa por parte da gravidade em derrubar aquele milho no chão: os grãos foram subindo e, quando quiseram, vieram ao chão, deixando no ar aquele olor de canjica.

Sim, olor de canjica. Esse era o olor que vinha.

A mulher, assim como se materializou, se desmaterializou. Ela, apenas. Seu saco de pipoca ficou ali, exposto naqueles dois metros quadrados para umas pombinhas simpáticas, dessas que ciscam entre baganas de cigarro e pedras de calçamento dos bairros, que levamos junto ao centro da cidade (pois elas se apegam aos nossos pés, nos vincos dos sapatos, de modo muito mais incisivo que as crianças em nossa perna; a diferença entre elas é que você pode fugir das crianças). Pombinhas poucas, simples.

O olor de canjica se propala no ar do continente, e as pombas se levantam dos arcanos do supraempírico. As cinco ou seis que ali comiam se viram rapidamente recebendo visitas: “amor, come logo que as pombas do Lami estão vindo comer conosco”. O céu, de uma cor clara e tranqüila se torna escurecido, com ondas e ondas dessas avezinhas não mais adoráveis: traziam em seus singelos bicos a avidez pela comida olfatada, enviada por uma entidade mítica (qualquer uma, de Afrodite a Exu Caveira; um consórcio de entidades, talvez).

Estou no meio do trajeto entre a velha e o alimento. Não sou mais o narrador que avista distante e que relata na terceira pessoa do singular. Sim, estou, sou eu o protagonista, não estou mais “no piloto automático” a caminho do serviço.

Não são mais meras revoadas: são nuvens, enxames, manadas, todas elas rumando ao que estava a cinqüenta centímetros de mim. Temi por minha vida.

Tive de me abaixar, correr, sacudir-me, esquivar-me. Agia, naquele meio minuto como um lutador de boxe, de Tele Catch, do Ringue 12, mas sem bater em ninguém. O olor do milho já era fedor de pombo. Muitos, e com estratégicos detritos fecais caindo, continuavam por cima de mim, que estava atarantado, com uma pasta na cabeça, com uma situação inusitada, com um horário pra lá de apertado aos compromissos.

Hoje, meia semana se passou daquela oportunidade; continuo, porém, sentindo “o odor deletério”. Juro solenemente não mais comer frango à passarinha. E advirto: nunca (NUNCA) saia de casa (NUNCA SAIA DE CASA) sem uma armadura medieval. Você nunca saberá quando poderá ser atacado.

PS.: fui atingido pelos pombos, sim. Doeu. Acho que estou com síndrome do pânico (ou, ao menos, com columbofobia).

O FIM!

(nojento - tchã!)