sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Divagações patéticas - O ataque dos monstros voadores

Porto Alegre, início de uma manhã fria qualquer: Samuel Aguiar da Cunha, empunhando uma pasta preta e vestido de terno escuro, ruma em cadência vigorosa do transporte seletivo (“lotação”; Porto Alegre é a única capital do país com esse tipo de serviço atuando de forma legal) à estação de metrô (aqui conhecida pelo nome da empresa, “Trensurb”). Tem de atravessar o Paço Municipal, lugar do Prefeito, das ciganas que lêem “la suerte” nas mãos e da fonte Talavera de La Reina (hoje, em reformas, com tapumes que ocupam um quarto da área em frente ao prédio).

Tarefa habitual, caminhada habitual, rumo habitual (Samuel é trabalhador – ao menos, ele crê que seja). Do nada, aparece uma cidadã. A mulher se materializou ali, junto ao meio-fio lateral da quadra. Do nada. Ela, guarnecida de um saco de milho. Milho que não foi plantado, materializado junto com ela. Um punhado muito grande é tomado. A mulher devia ter a mão do tamanho da de uma luva de baseball. O milho voa, subindo e descendo graciosamente, qual uma coberta branca de um quarto de casa de férias. Não houve pressa por parte da gravidade em derrubar aquele milho no chão: os grãos foram subindo e, quando quiseram, vieram ao chão, deixando no ar aquele olor de canjica.

Sim, olor de canjica. Esse era o olor que vinha.

A mulher, assim como se materializou, se desmaterializou. Ela, apenas. Seu saco de pipoca ficou ali, exposto naqueles dois metros quadrados para umas pombinhas simpáticas, dessas que ciscam entre baganas de cigarro e pedras de calçamento dos bairros, que levamos junto ao centro da cidade (pois elas se apegam aos nossos pés, nos vincos dos sapatos, de modo muito mais incisivo que as crianças em nossa perna; a diferença entre elas é que você pode fugir das crianças). Pombinhas poucas, simples.

O olor de canjica se propala no ar do continente, e as pombas se levantam dos arcanos do supraempírico. As cinco ou seis que ali comiam se viram rapidamente recebendo visitas: “amor, come logo que as pombas do Lami estão vindo comer conosco”. O céu, de uma cor clara e tranqüila se torna escurecido, com ondas e ondas dessas avezinhas não mais adoráveis: traziam em seus singelos bicos a avidez pela comida olfatada, enviada por uma entidade mítica (qualquer uma, de Afrodite a Exu Caveira; um consórcio de entidades, talvez).

Estou no meio do trajeto entre a velha e o alimento. Não sou mais o narrador que avista distante e que relata na terceira pessoa do singular. Sim, estou, sou eu o protagonista, não estou mais “no piloto automático” a caminho do serviço.

Não são mais meras revoadas: são nuvens, enxames, manadas, todas elas rumando ao que estava a cinqüenta centímetros de mim. Temi por minha vida.

Tive de me abaixar, correr, sacudir-me, esquivar-me. Agia, naquele meio minuto como um lutador de boxe, de Tele Catch, do Ringue 12, mas sem bater em ninguém. O olor do milho já era fedor de pombo. Muitos, e com estratégicos detritos fecais caindo, continuavam por cima de mim, que estava atarantado, com uma pasta na cabeça, com uma situação inusitada, com um horário pra lá de apertado aos compromissos.

Hoje, meia semana se passou daquela oportunidade; continuo, porém, sentindo “o odor deletério”. Juro solenemente não mais comer frango à passarinha. E advirto: nunca (NUNCA) saia de casa (NUNCA SAIA DE CASA) sem uma armadura medieval. Você nunca saberá quando poderá ser atacado.

PS.: fui atingido pelos pombos, sim. Doeu. Acho que estou com síndrome do pânico (ou, ao menos, com columbofobia).

O FIM!

(nojento - tchã!)

Um comentário:

Lúcia disse...

hahahahaha
Muito bom!
Impossível não imaginar a cena!
Bjão